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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A PAULISTA, A BOLSA E O BAIÃO






Trocava a bolsa de lado. Constantemente. Cruzava a alça sobre a camiseta um pouco mais curta que o convencional, depois descruzava pra cruzar novamente na próxima esquina.
Ia falando sozinho. Na verdade, ia escrevendo na mente o próximo diálogo. O último, segundo ele. Tinha saído do cinema antes do fim da sessão. Decidido a decidir tudo naquele dia. Seus passos traduziam na calçada larga da Paulista toda a sua decisão. Enquanto esperava o homenzinho no sinal ficar verde, roía as unhas bem feitas na tarde anterior. Na verdade, não roía as unhas, só a base – nem a base, roía - sim - a própria ansiedade.
Do outro lado da rua (e deste também, na verdade) o dia, acelerado como de costume na metrópole, ia se vestindo de noite. E ali, naquela região de São Paulo, a noite ganhava brilhos muito diferentes quando o sol se retirava. Bem maquiada, a noite invadia a calçada, as lojas e as pessoas. Agora todos tinham cores diferentes e mesmo os barulhos dos pés dentro dos sapatos eram outros. Enfim, esverdeou o homenzinho no farol e Luis atravessou a rua. Não estava só, embora estivesse absurdamente só. Seus passos rápidos acabaram por isolá-lo ainda mais dentro da sua solidão – as pessoas do lado de fora de sua vida iam ficando pra trás.
Não sei dizer se, voluntariamente ou não, seus quadris dançavam baião enquanto ele andava, sua bolsa continuava indecisa entre estar cruzada ou não. Como suas pernas quando esperava Paulo chegar no outro dia – na última conversa: acho que não dá mais;como assim?a gente já tentou de tudo, eu não confio mais em você.bobagem!bobagem, você só sabe dizer isso!não precisa alterar a voz!estou cansado de ser sempre quem altera a voz, estou cansado de te ver sempre assim bem comportado.chega! Era sempre com um ‘chega’ que a conversa chegava ao fim, aliás, que nunca chegava ao fim. Mas Luiz estava decidido a pôr, de vez, um ponto final nas reticências.
A larga avenida foi sendo deixada pra trás. O homenzinho no sinal ainda estava verde quando Luis pôs o último pé na calçada do outro lado e a bolsa resolveu enfim descruzar-se. O passo não era mais tão firme. Fora de Luis, uma brisa começava a assobiar. O ponto final de Luis não foi Luis quem pontuou. Ele não viu, ansioso em roer a ansiedade em suas unhas, mas nunca esteve só enquanto dançava seu baião no meio da Paulista. Sua bolsa era observada enquanto mudava indecisa de lá pra cá. Passos mais decididos que os seus o seguiam – cada vez mais perto – e tão perto chegaram que o alcançaram antes do chega de Paulo, antes de qualquer outro chega, antes do fim.
Deixaram Luis caído sem baião. A bolsa – indecisa – enfim decidiu-se: ficou ao lado do corpo. Ao lado do corpo que ninguém viu.

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